Tudo andava muito provisório até que
consegui uma vaga numa empresa realmente ducaralho. Lá, ninguém trabalhava. Cumpríamos
o expediente, mas não havia o que fazer em termos práticos, embora os
computadores estivessem dispostos em mesas impecáveis, com retratos da família
e um buraco redondo para colocar o copo.
O dia transcorria animado à base de caipirinhas e outros drinques e conversávamos
sobre nosso passado em redações de jornais e agências de publicidade. Vez por
outra, o dono da empresa, um jovem elegante e gentil, chegava para perguntar
como iam as coisas. Tudo OK, nós dizíamos,
enquanto uns dormiam na sala de jogos ou namoravam na antessala do banheiro. Salário sempre em dia, seguro de saúde,
carteira assinada.
Alguma coisa deveria estar errada e tal
conversa às vezes rolava no corredor. Pensamos em lavagem de dinheiro. Nesse
ponto, as opiniões se dividiam. Por que uma empresa de fachada seria tão bem
equipada e tão dedicada em suas relações trabalhistas? Alguns colegas, no
entanto, achavam simplesmente que se tratava de um caso de beneficência ou algo
parecido, talvez uma promessa, pois o patrão deveria ter outros negócios
capazes de sustentar nosso luxo. Poderia ser uma pesquisa sobre o mundo do
trabalho – no caso, sem trabalho – ou até um reality show. Fosse como fosse,
assinávamos o ponto, a documentação estava em dia e eu achava que merecia essa
deferência depois de tantos anos penando na imprensa.
A empresa era uma consultoria, mas nunca
não éramos consultados. Podíamos
ser, mas de uma forma tão sutil que nem percebíamos. Uma consultoria com escopo vago, genérico, baseado em
soluções para problemas de clientes que não existiam. Ali só recebíamos visitas
de amigos, em ocasiões festivas e frequentes, e não raro esquecíamo-nos do
término do expediente, levando a farra até a madrugada. Pedíamos comidas e
bebidas pela internet e, no dia seguinte, não havia sequer um farelo de pizza
no chão. Tudo limpo e lustroso.
- Vocês fazem consultoria de quê? –
perguntavam os convidados nessas happy hours expandidas -. Disfarçávamos bem,
respondendo que, cada caso era um caso, dependia do imponderável, enfim,
situações não contempladas por outras empresas do gênero, ressaltando logo em
seguida as ótimas condições de trabalho, o clima de liberdade e camaradagem
entre os funcionários - ingredientes essenciais para uma boa consultoria.
Eu aproveitava o tempo sempre livre para
ler romances do século XIX na biblioteca do segundo andar, jogar paciência e
ouvir música deitado numa rede com vista para a avenida principal, onde homens
e mulheres andavam apressados no horário do almoço. Uma colega escrevia um blog
de cultura, alguns se penduravam no telefone e também promovíamos campeonatos
de games da FIFA. Não faltavam os jornais do dia, revistas de fofocas e balas
de vários sabores. Os mais novos e esportivos faziam musculação. Alguns
passavam o dia fumando maconha e vendo seriados na TV a cabo.
Durou quase dois anos até o patrão aparecer
com uma má notícia: a empresa iria fechar por conta da crise dos mercados e das
altas taxas de juros. Enquanto ele falava, um homem mais velho, que parecia seu
pai, estava de pé, junto à porta, esperando que o jovem empresário terminasse
seu pequeno discurso de despedida. Ao final dos agradecimentos por nossa colaboração
e empenho, o patrão foi embora. Uma semana
depois, soubemos que estava internado numa clínica psiquiátrica.
Um cara legal. Nunca tinha visto ninguém
assim na iniciativa privada.
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