Morreu
e surgiu na vida eterna, ou em algo parecido, mas ali também não obteve
respostas sobre a existência e o fim da existência. O lugar era espaço
aparentemente vazio, embora outros mortos venham especulando que o vácuo está
cheio de flutuações de gluóns, como ocorre no mundo das partículas. Mas a
questão continua: onde estamos? Nenhuma entidade, religiosa ou não, apareceu
para dar explicações, embora muitos já estejam nesse ambiente há milhares de
anos.
Não
há ordem nem leis para a população de 106 716 367 669 habitantes – presumível
número de pessoas que já passaram pela vida terrena; e continua chegando gente.
Reina a incerteza, não só a de Heisenberg, mas todas as outras – possíveis e
impossíveis, incluindo a sensação de ausência do corpo, que contribui para
outra dúvida nesse universo de dúvidas: eu sou eu? – perguntam com frequência.
Indivíduos do passado e do presente misturados e perplexos numa área sem
fronteira visível, em que se reúnem, por exemplo, fanáticos da idade Média,
multidões de nômades e, mais recentemente, físicos teóricos. Convivência
difícil. A coisa pode ser parecida com um ovo pelo avesso. A clara e a gema
estão do lado de fora, onde todos viveram, e o interior oco, porém infinito,
onde se acham agora. Mas é só uma suposição.
Adeptos
de religiões acham que comprovaram sua tese da sobrevivência da alma, mas mesmo
estes reclamam das condições e da falta de semelhança com o paraíso dos livros
sagrados. Já os céticos em minoria consideram que o fenômeno faz parte do
processo da natureza – talvez a dualidade onde-partícula - e lembram que Deus
ainda não deu sinal de vida.
O
escritor George Bernard Shaw, destacado incréu desse além, não contava com essa
sobrevida (ou sobremorte), mas continua o mesmo. Maldiz a ciência, que nunca
resolve um problema sem criar pelo menos outros dez, e maldiz a religião:
“Cuidado com o homem cujo Deus está no céu”. Agostinho também esperava outra
coisa, porque é santo, mas ele está no meio da multidão etérea ainda pregando a
palavra do Todo Poderoso: “na procura de Deus é Ele quem se adianta e vem ao
nosso encontro”, repete. “Tá demorando muito”, responde um apateísmo ansioso.
Não
há frio nem calor nem comida nem cansaço nem repouso nem fome nem vontade de
comer nem pontos de referência - alguns dizem que sequer há o tempo. Niels Bohr
calcula que apenas passamos de uma orbita a outra sem percorrer o espaço
intermediário. A pequena Guerra santicientífica, no entanto, é apenas retórica.
Ninguém consegue tocar em ninguém. Nem conversar com vizinhos na calçada.
É
um bom lugar para criar teorias, mas incômodo para morar.
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